quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Apostolos?


Palavra  do Bispo Paulo Lockmann


Texto> Atos 1 e 2.

1.      Para não dizer que não falei de Apóstolos.



Virou moda em nosso meio o surgimento do conceito Apóstolo. E num uso totalmente anti-bíblico e equivocado na premissa e no conteúdo. Por quê? Porque o ministério apostólico não se caracteriza notoriamente como exercício de poder ou  mesmo como conceito hierárquico. Hoje, nenhum dos que se consideram Apóstolos correspondem ao que se exigia de um Apóstolo. Lembremos que eles não ficaram em Jerusalém governando a Igreja, mas foram espalhados pelo mundo para pregarem de cidade em cidade sem casa, sem ter onde reclinar a cabeça, constituídos como ministério missionário. Por favor, examine com cuidado Mateus 10, onde Jesus dá conteúdo ao que deveria ser a natureza do ministério dos "Apóstolos-Enviados".

Não é isto que vemos hoje Apóstolos são na maioria presidentes e donos de Igrejas e Ministérios, não correspondem o perfil estabelecido por Jesus em Mateus 10.

Voltarei ao assunto mais adiante no estudo do texto.



2.      A história literária de Atos dos Apóstolos



a)      Do Evangelho a Atos



Quem se depara com a obra de Lucas, o Evangelho e o livro de Atos dos Apóstolos, se dá conta de estar diante de um mestre que levava sua fé e ministério com seriedade. Ao começar a escrever, ele já nos aponta isso: "Visto que houve muitos que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram [...] igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído." (Lc 1. 1-4). Na sua disposição de falar do Evangelho, ele respeita o trabalho dos que o antecederam, e enfatiza que a revelação é para ser pesquisada, refletida e ordenada, para que os cristãos cheguem à certeza das verdades.

Na continuação em Atos, ele reforça isso, dizendo o porquê de estar escrevendo de novo, pois escrevera o primeiro livro acerca do que Jesus fizera e ensinara, "até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas" (At 1. 2).

Na verdade, Lucas descreve a revelação do nascimento de Jesus ao nascimento da Igreja, da missão de Jesus à missão da Igreja; ele mistura, em doses sábias, revelação e história, promessa e cumprimento.



b)      Os Atos do Espírito Santo

O nome Atos dos Apóstolos não foi posto neste livro bíblico por Lucas.  Alguns autores afirmam que Atos foi visto perante a Igreja primitiva como continuação do evangelho, e lido em seqüência, como aliás a introdução nos dá a entender. A verdade é que, mesmo sem ter recebido o nome do seu autor, praxeis apostolon = atos dos apóstolos foi o nome consagrado pela Igreja a partir do século II, isso possivelmente por comparação com os grandes generais do mundo greco-romano, como Alexandre, o qual teve suas praxeis escritas por Colístenes. Atos eram crônicas bibliográficas, o que não é bem o caso de Atos dos Apóstolos, pois não está preso a uma só pessoa, a não ser que  esta seja o Espírito Santo. Hoje, há quem chame de Atos de Pedro e Atos de Paulo, ou ainda Atos do Espírito Santo, enfatizando que  o sujeito histórico que move o livro é o próprio Espírito de Deus, e isso após o Pentecostes, pois é o Espírito, o poder dado à Igreja, para a missão, e anunciado por Jesus no início do livro.  (cf. At 1. 8).



3.      A Eclesiologia Missionária



O primeiro capítulo do livro de Atos dos Apóstolos, na verdade, é uma introdução  ao livro, que sublinha a relação promessa (a vinda do Espírito Santo) com cumprimento (o dia de Pentecostes), isso pode ser comprovado pelas expressões: "... determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas esperassem a promessa do Pai, a qual, disse ele, de mim ouvistes" (At 1.4). "Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos, e para todos os que ainda estão longe... " (At 2. 39).

Neste capítulo, há uma clara estrutura eclesiológica, que podemos perceber nos seguintes detalhes:



2.a.  A Igreja tem um único Senhor = Kirios, e isso em confronto com o outro Kirios, ou seja o imperador romano. Trata-se de um conceito base, o fundamental da religião e comunidade cristã nascente: "Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?" (At 1. 6)

Afirmar que a Igreja tem Jesus Cristo como  único Senhor é dar à cristologia um lugar decisivo na forma de ser da Igreja e em sua missão. Isso nos ajuda a equilibrar eclesiologia (doutrina da Igreja) e missiologia (doutrina da missão), garantindo que a base da Igreja e de sua missão está no Senhor Jesus Cristo, e anunciar a Ele e seu reino é o objetivo da missão e a razão de ser da unção do Espírito. (cf. At 1. 8).



2.b. A Igreja se apoia na  autoridade do Messias e Filho de Deus, Jesus, o qual constituiu um colégio de apóstolos. Isso está evidente quando no verso 1.13 se declara que o grupo ante o qual foi Jesus elevado aos céus e aos quais entregou a grande comissão e mandado missionário, eram exatamente os onze que restaram após a traição de Judas. Esse grupo escolhido por Jesus é recomposto em doze componentes, com a escolha de Matias. Desse modo, somos herdeiros do ministério dos Apóstolos; nosso ministério se apóia em Jesus, o Senhor, e na fé dos apóstolos. É bom sublinhar que não existe mais biblicamente apóstolo como função-colegiado, título, na Igreja; digo isso porque alguns andam se arvorando no direito de serem apóstolos. Lembram como Paulo reivindicou esse título? (1 Co 9 1-2; 1 Co 15.7-9; 2 Co 12.12). Título que era dado somente aos que haviam visto Jesus em carne, e recebido dele o mandado missionário: "... não sou apóstolo? Não vi a Jesus, nosso Senhor?..." (1 Co 9.1). Noutro sentido, mais geral, toda a Igreja é composta de apóstolos e apóstolas, pois apóstolo no sentido não organizacional, ou de princípio de autoridade, mas no sentido ministerial, significa "enviado", A Igreja é apostólica, porque é herdeira da fé dos Apóstolos, mas também porque, como eles, fomos enviados(as) ao mundo. Sendo assim, a Igreja, só é Igreja se for missionária, estiver no envio ao mundo, indo ao encontro do povo e de suas necessidades. Aqui pode-se afirmar também que toda a Igreja é discípula de Jesus. Somos enviados (apóstolos), para anunciar o que de Jesus aprendemos (discípulos), assim a Igreja é discípula e discipuladora. Por isso, como Igreja Metodista no Brasil, estamos enfatizando o discipulado, para, através de grupos familiares (grupos pequenos), refletirmos sobre a fé herdada dos Apóstolos, e sobre o compromisso missionário que daí nos vem.

Esta eclesiologia missionária é inclusiva, comunitária, a Koinonia = comunhão, que é a marca da vivência de Jesus com os apóstolos, como a marca da Igreja após a ressurreição e o Pentecostes; a fé é da comunidade, e o dom do Espírito e seus carismas, dons espirituais, são dados à Igreja. Assim, a missão também é de todos, pois ela acontece na vivência dos dons e ministérios de toda a Igreja. (cf. Atos 2. 42-47 e 4. 32-35)



Bispo Paulo Lockmann

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